Entrevista com Markus Zusac, autor de A menina que roubava livros e Eu Sou o Mensageiro
By Helen Martins - 7/21/2014 05:18:00 PM
A Editora Intrínseca
compartilhou uma entrevista feita com Markus Zusak, autor de "A menina que roubava livros". No mês de junho, o autor foi agraciado com o prêmio
Margaret A. Edwards, em reconhecimento por uma “significante e duradoura contribuição
para a literatura juvenil”.
Confira
a entrevista completa
Angela Carstensen – Como você se sentiu quando soube que tinha ganhado o prêmio
Margaret A. Edwards?
Markus
Zusak – Receber o prêmio foi bizarro. É bem característico de um
australiano como eu sofrer um baque desses, dizer “que bom” e simplesmente
seguir em frente. Foi uma imensa honra, mas eu cresci sendo ensinado a não me
vangloriar. Comecei a escrever ainda jovem e tive a oportunidade de crescer
como escritor. Meu jeito de encarar tudo isso é tentando sempre melhorar. É o
que um escritor faz para se manter relevante.
AC – Qual a sua conexão com S. E. Hinton?
Por que é tão significativo que ela tenha sido a primeira escritora a ganhar o
Edwards?
MZ – Eu já conhecia o prêmio e
sabia que Hinton havia sido a primeira a recebê-lo. (Não que acreditasse que um
dia seria premiado!) Sempre acompanhei a carreira de Hinton. Considero muito
importante ela ter ganhado o prêmio, já que foi uma pioneira da literatura
infantojuvenil e causou um impacto enorme no público leitor. Ela fez com que eu
quisesse ser escritor. Eu era adolescente quando li Taming the Star Runner
[1988, não publicado no Brasil], e um dos personagens desse livro era escritor.
Lendo, eu conseguia me enxergar ali, nos livros dela. Era real! Minhas
primeiras tentativas de escrever, aos 16 e 17 anos, foram horríveis. As oito
páginas da minha primeira novela poderiam ganhar o prêmio de pior livro de
todos os tempos.
Quando olho para minhas
primeiras histórias, fico aliviado que não tenham sido publicadas. Eram muito
parecidas com as de Hinton. Nós, autores, começamos a escrever imitando nossos
heróis, e mantemos o espírito dessa admiração na obra. Com o passar do tempo,
chegam outras influências e encontramos nossa própria voz. Mas a voz dos
escritores que amamos continua lá. Cameron, por exemplo, foi inspirado no
Ponyboy de Hinton.
AC – A luta é um tema comum em seus livros. De
onde vem isso?
MZ – Vou
ser bem sincero: não faço a menor ideia. Outra coisa recorrente em meus livros
é a corrida. Nunca me meti em uma briga de verdade e não gosto de correr. Acho
que isso vem de duas áreas: se você é um escritor, pode escrever sobre algo que
gostaria de fazer na vida real. É uma das coisas que mais me encantam.
Há um fluxo de ideias no
inconsciente quando se escreve. A corrida e a luta também estão presentes no
meu novo livro. Meu irmão e eu somos parecidos em diversos aspectos – na voz,
na aparência –, mas claramente diferentes em outros. Um deles é que, em matéria
de esportes, meu irmão consegue fazer qualquer coisa. Então ele nunca teve que
se esforçar, enquanto eu sempre precisei correr atrás para conseguir algum
resultado. Normalmente isso funcionava para mim, e eu tinha o maior apreço pelas
minhas conquistas. No começo, eu não escrevia bem.
Muitas pessoas abominam o boxe,
e concordo com elas, mas admiro homens e mulheres que conseguem subir em um
ringue, onde não há como se esconder. Assisti ao vivo a pouquíssimas lutas de
boxe, e acho que são diferentes de tudo. Não fui lá para ver sangue, mas para
ver a coragem de alguém capaz de se levantar e continuar lutando. E pelo
respeito que costuma estar presente ao fim do combate. É diferente de qualquer
outro esporte. É possível sentir a intensidade – não é uma sensação bonita, mas
há algo totalmente real ali.
Todos são livres para discordar
de mim. Certa vez, uma professora me escreveu decepcionada com a violência em
Eu sou o mensageiro. Ela dizia que os leitores eram jovens e que eu dizia a
eles que resolvessem seus problemas através da violência. Respondi a ela
pedindo desculpas por tê-la desapontado e expliquei as razões das escolhas que
fiz. Acredito que o papel de um escritor seja procurar a realidade e sacudi-la.
Há violência em todos nós, e beleza e força e fraqueza. Qual é meu dever?
Escrever apenas sobre a beleza e a força, ou escrever sobre tudo o que existe?
Essa é a minha maior responsabilidade, escrever sobre como vejo as coisas e
como são de fato.
Então a luta funciona em
diferentes níveis: há o aspecto físico, mas também o esforço e a batalha para
se levar uma vida digna. Meus personagens brigam consigo mesmos e com o que há
ao redor. Eu também luto enquanto escrevo, para produzir a melhor história que
puder.
AC – Na sua opinião, por que os jovens estão
dispostos a encarar um romance tão complexo e longo quanto A menina que roubava
livros?
MZ – Nós subestimamos demais os adolescentes.
Notamos apenas as coisas mais banais e corriqueiras, como o que vestem, por
exemplo. Mas então escutamos histórias sobre um bebê que caiu no trilho de um
trem, e normalmente é um adolescente quem o salvou e foi embora porque não
queria receber nenhum crédito. Reconheço isso porque escrevo livros para
adolescentes – eles basicamente sentem com mais intensidade que os adultos.
Eles desejam coisas com mais vontade do que se imagina. Eles querem coisas com
uma profundidade maior do que se imagina. Adolescentes têm muita força de
espírito, algo que os adultos esqueceram que possuem dentro de si.
Quando eu era adolescente,
adorava personagens, e são eles que fazem um grande livro. Você pode ter uma
trama sensacional, mas se não tiver bons personagens… Eu sabia que precisava
amar os personagens de A menina que roubava livros. E amei.
Há um tipo de magia no ar que
faz algo dar certo, que atrai a atenção das pessoas. Eu me considero um cara de
sorte por existirem adolescentes por aí que leram meu livro.
AC – No que você está trabalhando agora?
Pode nos contar qual foi sua inspiração para o próximo livro?
MZ – Nunca me preocupei em manter
segredos. Escrever é meu trabalho. O do meu irmão é pintar casas. De certa
maneira, o trabalho dele é diferente. Ele acorda de manhã e sabe que consegue
pintar uma casa. Enquanto eu muitas vezes penso que preciso ter muita crença em
mim mesmo para terminar um livro. O trabalho é o mesmo. Não me vejo como um
artista delicado que precisa se manter reservado. Sinto-me como um prestador de
serviços como meu irmão. Eu apenas vou lá e faço o meu trabalho.
Meu novo livro, Bridge of Clay,
é sobre ambição e sobre aqueles momentos em que transcendemos nossas limitações
humanas. É sobre um menino construindo uma ponte – ele está moldando sua vida
nessa ponte. Ele quer que ela seja perfeita. O nome dele é Clay. O barro [clay
em inglês] pode ter qualquer forma, mas precisa do calor do fogo para se
solidificar. O rio inunda, mas quando retorna ao seu leito, o sol se levanta e
o fogo se estabelece. O barro e Clay se consolidam nesse momento. Esse é o fim
que sempre tive em mente. Então percebi: não é assim. Está um pouco além disso.
E aí mora a arte. Só é necessário observar por tempo suficiente. O romance
também é sobre família, e sobre o que aconteceu com Clay no passado.
Provavelmente é também baseado no modo como quero transcender algo quando estou
escrevendo.
No que se refere à pressão para
terminar o livro novo: escrever é bem difícil. Veja bem, sou o cara mais
sortudo do mundo. Sou pago para criar coisas. Lembro-me o tempo todo do quanto
amo o que faço – amo os desafios, amo que não seja uma tarefa fácil. É um
prazer ter esses momentos em que escrevo algo de que realmente gosto e não
sabia que isso ia acontecer ao sair da cama pela manhã. Se você se esforçar,
mas sem exagero, vai acontecer, porque você ama o que está fazendo. Você espera
que, ao fazer cada pedacinho da maneira certa, vai conseguir fazer aquilo tudo
acontecer
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