Aos 30 anos, Matthew Quick era um
respeitado professor de inglês em South Jersey que incentivava seus alunos a
acreditar no próprio potencial e no poder da literatura — até o dia que se
sentiu um hipócrita. Infeliz, ele largou o emprego e vendeu a casa para se
dedicar ao sonho de escrever. Após três anos lidando com uma severa depressão,
criou O lado bom da vida, romance que se tornou um sucesso imediato.
Quick também escreveu "Perdão, Leonard Peacock", na narrativa encontramos Leonard
antes do jovem cometer um crime. Boa parte da narrativa se passa na tentativa
do jovem que: "quer encontrar e se despedir das quatro pessoas mais
importantes de sua vida: Walt, o vizinho idoso viciado em cigarros; Baback,
iraquiano que estuda na mesma escola que ele; Lauren, a garota cristã de quem
ele gosta; e Herr Silverman, o professor de alemão". Segundo o texto,
"Matthew Quick instiga o debate sobre a violência e o bullying".
Tendo
em mente que o Pat Peoples é professor — e possivelmente tem jeito ao lidar com
jovens — e que ele já enfrentou maus bocados na vida, estando inclusive
internado em uma instituição psiquiátrica, que conselhos ele daria a Leonard
Peacock caso eles se encontrassem em um jogo dos Eagles, por exemplo?
Eu não acho que Leonard Peacock
estaria disposto a ir a um jogo dos Eagles, mas, se ele fosse forçado, aposto
que não daria atenção à partida; talvez olhasse para o belo horizonte da
Filadélfia, que é visível de algumas partes do estádio. E talvez Pat Peoples
notasse o desconforto de Leonard. Acho que Pat iria falar com Leonard. Talvez o
aconselhasse a ver o lado bom da vida. Ele diria: “Você tem Walt e Herr
Silverman para ajudá-lo a concluir o ensino médio. E logo o ensino médio vai
terminar e, se você se esforçar, vai conhecer novas pessoas maravilhosas.
Talvez uma Tiffany comece a segui-lo aonde quer que você vá!” Eu também acho
que Pat iria encorajar Leonard a procurar ajuda. Talvez ele o apresentasse ao
Dr. Cliff Patel. Aposto que Leonard poderia aprender muito com Cliff.
Em
seu novo livro, Perdão, Leonard Peacock, você trata sobre vários temas, como o
bullying e a relação aluno-professor. Como você já foi professor, queria saber
se passou por alguma experiência em sala que o tenha influenciado a escrever o
livro.
Leonard Peacock é um personagem
fictício, como todos em meus livros. Dito isso, Perdão, Leonard Peacock foi
muito inspirado em minhas experiências como professor de ensino médio nos
Estados Unidos. Trabalhei em uma escola que era muito competitiva. Muitos dos
meus alunos eram extremamente inteligentes e concorriam por vagas nas melhores
universidades dos Estados Unidos. Muitas vezes eles se esforçavam tanto para
serem perfeitos que sentiam necessidade de esconder seus problemas, o que nem
sempre era saudável. Eu era um conselheiro extraoficial para os adolescentes, e
os que confiavam em mim estavam sofrendo em silêncio, muitas vezes
intensamente. Sempre me incomodou o fato de que nosso sistema educacional
muitas vezes causa problemas psicológicos nos adolescentes, mas ninguém queria
falar sobre esses problemas. E é por isso que Leonard Peacock também tinha
tanta raiva.
(Foto: Gabriela Cabrera/Divulgação/Editora Intrínseca) |
Em Perdão, Leonard Peacock, Herr
Silverman diz: “Ser diferente é bom. Mas ser diferente é difícil.” Eu acho que
isso é verdade. Meus alunos preferidos eram frequentemente rotulados pelos outros
como estranhos. Mas as pessoas “diferentes” geralmente também são as que veem o
mundo de uma forma única. Esses são os nossos artistas, músicos, escritores,
pensadores, criativos etc.
Acho que nós enraizamos essas pessoas em histórias
porque esperamos ser como elas. Esperamos encontrar algo único dentro de nós e
trazer isso à fruição. Mas ser diferente é difícil. É sempre o caminho mais
difícil. E por isso as pessoas ao nosso redor às vezes nos desencorajam a ir
pelo caminho desconhecido. Às vezes, elas querem nos proteger. Às vezes, têm
medo de serem deixadas para trás. Às vezes, temem que nós tenhamos sucesso e
elas não. E ainda há algo dentro de nós que se identifica com os heróis de
histórias, apesar de outros identificá-lo como “louco”. Como Kerouac escreveu:
“As únicas pessoas que me interessam são os loucos.” Personagens simples e
estáveis geralmente não embarcam em viagens interessantes.
Embora
você já tenha dito que lutou contra a depressão enquanto escrevia O lado bom da
vida, como você tentou se colocar na pele de Pat? Você fez algum tipo de
pesquisa ou falou com pessoas que têm grave transtorno bipolar?
Sim, quer dizer, conheço pessoas
com transtorno bipolar e eu mesmo tenho minhas mudanças de humor. Nunca fui
diagnosticado como bipolar, embora minha esposa diga que sou bipolar. Não é um
caso tão grave quanto o de Pat, mas entendo de mudanças de humor. Tendo
trabalhado com pessoas que possuem problemas mentais e me considerado alheio a
esse grupo, estou sempre falando sobre como nós demonizamos as coisas. Dizemos:
“Ah, as pessoas com problemas mentais estão relegadas a esta outra posição”,
mas sempre me apresso em lembrar que os meus maiores heróis são pessoas dessa
comunidade.
Kurt Vonnegut é um herói para
mim. Ele sofria de uma terrível depressão e tentou se matar. Ernest Hemingway é
um herói para mim, e todos nós sabemos o que aconteceu com Ernest, e quanto ele
lutou. Não creio que seja segredo o fato de que, quando um escritor começa uma
história, o personagem é a normalidade. Então ele chega ao clímax, há a
resolução e, depois, ele volta a baixar. Então, na próxima história que
contamos, temos alguém que é a normalidade, em seguida, essa pessoa sobe, chega
ao clímax, e depois sobe e desce, sobe e desce. Esse é o ritmo do transtorno
bipolar, e não é de surpreender que muitos de nossos romancistas, pessoas que
criam e são grandes contadoras de histórias, lidem contra a depressão e
episódios depressivos.
Pat, como qualquer outro
personagem, sobe e desce ao longo da narrativa, e eu, que passo por crises de
depressão e oscilações de humor, acho que é por isso que sempre me relaciono de
modo tão intenso com as histórias. Também sou muito sensível. No bairro em que
cresci, um bairro operário, essas não são características para serem exibidas,
não são características que sejam valorizadas, de modo que as escondi por um
longo tempo em minha vida. Eu fingia que não era quem eu era e, quando escrevia
poesia na escola, escondia e não falava sobre isso abertamente.
Quando fiquei adulto, foi quase
como um processo de revelação, como se o Matt Quick que você conhece da sua rua
também tivesse todos esses sentimentos e ideias. Foi engraçado, porque tenho
amigos que possuem problemas mentais. Quando O lado bom da vida foi publicado,
um amigo diagnosticado como esquizofrênico veio a mim e perguntou: “Como você
sabe dessas coisas? Isto é realmente autêntico.” E eu disse: “Bem, eu também
tenho os meus problemas.” Foi muito esclarecedor ter essas conversas.
Acho que quando as pessoas leem o
meu livro, elas pensam: “Tudo bem, este cara sabe sobre o que está falando.” O
outro lado da moeda são as pessoas que leem o livro e dizem: “Não acredito que
Pat Peoples seja um personagem realista, nunca conheci alguém como ele.” Isso é
muito decepcionante para mim. Não tanto por elas não terem se identificado com
o livro, mas por não terem se permitido ter experiências com pessoas com
problemas mentais, como se não estivessem dispostas a acreditar que tais
pessoas existam de fato. Pode ser algo muito polarizado.
Você
poderia falar sobre a Tiffany? Foi um personagem inspirado em alguém que você
conhece?
É engraçado. As pessoas me
perguntam todo o tempo: “Será que você conhece alguém que precisa dormir com
todo mundo no escritório?” Minha
resposta entediada é: “Não.” Acho que Tiffany representa na verdade aquela
qualidade explosiva que força alguém a olhar dentro de si mesmo. Pat é
delirante, especialmente no livro. Ele é muito mais delirante no livro. Ele não
quer encarar a realidade. Tiffany é aquela que agarra a cabeça de Pat e faz com
que ele olhe diretamente no espelho para alguém que ele não quer ver.
Minha esposa não tem nada a ver
com a Tiffany; ela não é alta, não é do tipo que chega em um lugar e assume
comando, mas, cá entre nós, Alicia e eu temos uma grande dívida de gratidão e
amor um para com o outro. Quando eu tinha meus 20 anos, ela percebeu que eu não
era tão bom quanto poderia ser e que havia desistido de meus sonhos. Ela me fez
olhar para isso. Perto de meu trigésimo aniversário, tivemos longas conversas
sobre o que eu queria da vida, se estávamos onde queríamos estar.
Quando nos conhecemos — ela tinha
17, eu 19 anos — tivemos todos esses sonhos, mas acabamos no subúrbio, levando
uma vida tranquila, mas que não era a vida que queríamos. Ela me fez cair na
real. Eu tinha um trabalho, era um professor muito querido na melhor escola de
South Jersey, e poderia ter ficado lá para sempre. Ela realmente me fez encarar
o fato de que eu não estava feliz, que estava deprimido, que estava bebendo
muito à noite, porque estava tentando me automedicar. Ela me dizia: “Você tem
que encarar isso.”
Em um bairro operário, você não
fala sobre essas coisas. Na maior parte da vida não usei muito a palavra
“depressão” e acho que minha esposa realmente me forçou a ver que eu não estava
feliz, que estava deprimido, que tinha problemas de ansiedade e que realmente
não vivia como queria. Isso foi uma coisa difícil de admitir aos 20 anos.
Acho que, metaforicamente, em um
nível inconsciente, tal experiência provavelmente inspirou a Tiffany.
Assista o vídeo:
Nosso querido Matthew Quick gravou um vídeo especial para os nossos leitores.Assista e saiba mais sobre o autor de “O lado bom da vida” e “A sorte do agora”.
Posted by Editora Intrínseca on Tuesday, November 24, 2015
*Todas as perguntas e respostas foram retiradas do blog da Intrínseca.
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