Falar sobre o folclore não é algo novo na televisão brasileira, programas infantis como Sitio do Pica pau amarelo e Catalendas, trouxeram há anos os personagens mais famosos das nossas lendas, um bebendo da fonte imaginária de um autor(Monteiro Lobato) e outro tendo como base as narrações indígenas das histórias. Cidade invisível, a nova série da netflix bebe das duas fontes, mas ao invés de ser história para crianças, aqui toda a narrativa é voltada para o público adulto, com personagens que conhecemos desde a nossa infância com uma nova roupagem.
Narrativas/Roteiro
O seriado, uma história de Raphael Draccon e Carolina Munhoz que tem Carlos Saldanha como showrunner, acompanha Eric, um detetive da polícia ambiental do Rio de Janeiro vivido pelo ator Marco Pigossi. Extremamente dedicado ao seu trabalho, ele é o clichê de todo seriado policial, o personagem que dá mais atenção aos seus casos do que à família. Logo, não é surpresa para sua esposa, a antropóloga Gabriela, vivida por Julia Konrad, quando ele recusa seu convite para ir com ela e a filha para uma festa junina, na vila de pescadores onde ela trabalha. É justamente aí que começa a história principal, nessa noite Eric sofre um trauma enorme que vai assombrá-lo durante todos os 7 episódios e levá-lo a extremos em busca por respostas.
A trama/investigação policial acaba sendo o fator mais fraco de toda a trama, porque não há nada de novo ali, tudo que eé apresentado é um imenso a mesma coisa de sempre o detetive que desafia seu superior(e não é demitido), virar noites sem dormir para chegar à solução do caso, nada muito original. É a chegada e envolvimento dos elementos mágicos que dá vida a série. É a partir desse momento que vemos um crescimento do personagem principal, o Eric, na série.
Ao longo dos episódios vai ficando claro que a série se utiliza das histórias do folclore e das narrativas de cada personagem, como eles se toraram as entidades e de como eles foram expulsos do seu lugar de origem (a floresta, rios, mares) para debater as mudanças que ocorrem em nome do progresso e como a sociedade não preserva aquilo que que constrói a sua história. Isso é claramente mostrado em um personagem, que após conseguir um trabalho numa multinacional começa a renegar tudo aquilo que foi ensinado sobre a preservação da floresta e como as lendas são vivas, e por mais que ele tente se afastar de tudo isso, de sua cultura, é provado que esse não é o caminho certo.
A questão da desvalorização das tradições orais se faz fisicamente óbvia na caracterização das figuras do folclore. Todos os personagens folclóricos vivem às margens da sociedade carioca, escondidos, e travam uma guerra eterna com inimigos que querem eliminá-los de todas as formas. Apesar de fazer sentido se utilizar desse esquema de representação vemos que a série não conseguiu trazer um equilíbrio para abordar as histórias individuais de cada personagem.
Personagens
A trama nos apresenta vários personagens famosos do nosso folclore brasileiro temos o Curupira, Iara, Boto cor de Rosa, Saci Pererê, A Cuca, Tutu Mambá, Corpo Seco. A cada episódio cada um tem a oportunidade de aparecer brevemente para contar a sua histórias
A personagem Cuca, interpretada brilhantemente pela atriz Alessandra Negrini, tem um espaço imenso na tela para expor sua história, seus poderes e todos os objetivos que ela tem na série. Retratada como uma das principais guardiãs das entidades folclóricas, após o Curupira meio que deixar o cargo, ela é um dos personagens chaves e aparece em todos os episódios, diferente de outros personagens vêm e vão na série apenas quando é conveniente ao roteiro.
Outro personagem maravilhosamente interpretado é o Curupira, feito por Fábio Lago. Na série ele é conhecido como o grosseiro Iberê, um morador de rua, alcóolatra, que vive em uma cadeira de rodas para esconder seus pés virados. Ele é um dos focos do drama desde os primeiros segundos da série.
Isac, dando vida ao saci-pererê temos o ator Wesley Guimarães, um dos mais carismáticos da série, ele sem dúvidas é um dos personagens que sofre com a má divisão do roteiro na importância de aparição em cena. Na série ele é o personagem que serve meio como narrador e como a chave de descoberta para o universo folclórico de Cidade Invisível para a filha de Eric e para o espectador. Mas, passados os primeiros episódios, ele é completamente esquecido. Só volta a ter relevância nos dois últimos episódios quando a produção atinge o clímax.
Também esquecidos no churrasco temos outros personagens do núcleo fantástico, como Tutu interpretado pelo ator Jimmy London, que serve como um ajudante segurança/faz tudo para a Cuca, principalmente por gratidão, após ela o ter salvo quando criança. Ele não tem um grande relevância na série, é aquele personagem que está sempre junto ao núcleo principal, mas que serve apenas como suporte.
A parceira de Eric, também é um personagem que aparece muito em cena, mas consegue ter um enredo enfadonho e nem um pouco aprofundado, ela basicamente está ali para dizer que ele tem um parceira no trabalho e só.
No mesmo caminho temos a personagem camila, a Iara, interpretada pela atriz Jéssica Córes, ao longo dos episódio até se tem a tentativa de crescimento da personagem na trama, mas acaba sendo algo fraco e que não se destaca na série. E o mesmo problema se aplica aos personagens/figuras envolvidas na conspiração empresarial que ameaça a Vila Toré e, consequentemente, suas tradições.
Por fim a série consegue dosar bem o clima envolvente e misterioso de toda a história, que flerta vez ou outra com o terror/suspense, e traz elementos escancaradamente brasileiros. Mas peca na caracterização e apresentação de alguns personagens. Embora possa se debater a forma como o resgate do folclore foi feito, sobretudo a escolha de ambientar a história no Rio de Janeiro e não nas regiões Norte e Nordeste.
O que é inegável é que a Netflix conseguiu trazer novamente as lendas pra as conversas e que a série está fazendo tanto sucesso que já foi renovada para uma segunda temporada.
Todas as imagens são de divulgação da Netflix*
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